Botswana, Foto T.Abritta, 2008

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Carro de Boi


         - Ei, Labareda!  Ei, Medalha!

- E nós saíamos para a grande viagem, com a gente grande sentada e os meninos dependurados pela mesa do carro, pedindo de quando em vez a Miguel Targino a macaca para tanger os bois do coice.  Chamavam-se Medalha e Javanês os do coice, grandes e largos para bem aguentarem o peso e sustentarem as manobras; Estrela e Labareda os do cambão, pequenos e de pescoços compridos, ágeis, os verdadeiros motores do carro.  Para estes a vara de ferrão, e a macaca para os do coice.  E eles todos atendiam à voz do carreiro.  Quando Miguel Targino fazia um “ô” descansado, os do coice enterravam os pés na areia e ninguém arrastava o carro dali.  E com um “ei, Labareda”, de ordem, os do cambão espichavam o pescoço na canga, e lá ia o carro andando. 

         ...Os carros de boi gemendo nos eixos de pau-d’arco, os cambiteiros tangendo os burros com o chicote tinindo, e o “ô!” dos carreiros para os Labareda e os Medalha, mansinhos.  Os moleques trepados nas mesas dos carros aprendendo a carrear com os mestres carreiros.  Tudo nessa labuta melódica do engenho moendo. 



Menino de Engenho, José Lins do Rego.



         Lendo este texto, a par de seu lirismo, fiquei pensando no poder da Literatura para registrar detalhes que mesmo em trabalhos sobre História das Ciências e das Técnicas não encontraríamos. 

         Após sucessivas leituras e releituras, resolvi ressuscitar um carro de boi e, quem sabe, até acender o fogo morto de um velho engenho; sentir o aroma de melado. 

         Lembrei-me da imagem digitalizada de um negativo de vidro, encontrado em uma velha fazenda de café que visitei – retratando cenas do início do século passado –, conforme mostrava a caixa das placas fotográficas (V. Figura 1). 

         Simplesmente inverti os tons de cinza, “revelando”, portanto, o negativo, de onde surge majestoso carro de boi puxado por quatro juntas de animais, tudo embaçado pela fumaça do engenho em plena atividade (V. Figura 2). 

         E, do sépia imaginário desta fenda no tempo, escapam sons, odores e poesia da época. 


Figura 1 – Caixa de Negativos.  Foto T. Abritta, 2005.


Figura 2 – Carro de Boi e Engenho.  Digitalização e revelação T. Abritta, 2005.








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