Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Fotografia, Literatura e Memória


A cultura visual veio para ficar definitivamente em nossa sociedade.  Portanto saber interpretar a comunicação através das imagens que nos bombardeiam é o mesmo que ler um texto.  Como exercício de reflexão, falaremos sobre velhas fotografias familiares, algumas maltratadas e desprezadas em caixas de sapato ou esquecidas em fundos de gavetas, mas que muito podem revelar-nos. 

          Alguns ficarão surpresos ao saber que aquela fotografia em preto e branco, com grandes áreas espelhadas é uma imagem que resiste ao desaparecimento, com a deterioração da emulsão fotográfica e a migração da prataque com sua distribuição espacial de concentrações dava os tons de cinza na fotografiapara a superfície.  Neste processo, chamado “espelhamento”, a imagem vai desaparecendo, mas sempre guardando alguma informação.  E aquelas fotografias com uma aparência toda quebradiça, com aquele ar craquelê?  Estas são de uma geração anterior às modernas emulsões, quando eram usados os papéis albuminados ou feitos artesanalmente com clara de ovo salpicada com cristais fotossensíveis de prata. 
 
 
Figura 1 – Cavaleiro Velho.

          A par da diversidade técnica que velhas fotos apresentam e de sua resistência ao desaparecimento, vale a pena indagar quais os motivos que levaram ao registro de algumas imagens. 
          Neste sentido, vamos examinar, por exemplo, a fotografia apresentada na Figura 1, intitulada “Cavaleiro Velho”. 
          No verso do suporte de papelão, onde está colada esta fotografia, existe uma dedicatória, escrita a lápis, mas ilegível devido ao escurecimento e oxidação da superfície. 
          Hoje, como naquelas brincadeiras do passado, em que as crianças escreviam mensagens invisíveis com o sumo de limão e que eram reveladas com o calor da chama de uma vela, escaneamos a dedicatória da foto acima e deslocamos a cor do fundo para o verde – a cor mais sensível à visão humana – de modo a obtermos o máximo contraste com a cor preta do traço de grafite. 
Neste processo a dedicatória tornou-se visível, tal o sumo de limão na chama da vela, como mostra a Figura 2. 
 
Figura 2 – “Castorina uma prova de amizade, Antonio Francisco Pereira de Souza, Cavaleiro Velho com 68 annos - 4 de agosto de 1929”.
 

          Esta fotografia era uma espécie de “duplo” que o “Cavaleiro Velho” deixava para sua filha, que estava de partida para um mundo incerto, em busca de melhores condições de sobrevivência e trabalho no longínquo estado do Espírito Santo, para onde migravam milhares de trabalhadores de Minas Gerais, muitos nunca mais voltando, morrendo ou simplesmente desaparecendo nesta nova fronteira agrícola. 
          O episódio nos remete a um personagem de Proust (inspirado em sua própria vida) que morria de remorsos ao descobrir que sua avó, doente, havia se “produzida” toda para tirar uma bela fotografia que seria deixada como lembrança.  Este personagem, em uma cena de ciúmes doentio, criticou-a severamente pelacriancice” e por descobrir na avó uma vaidade jamais suspeitada. 
          Em certo sentido, estas velhas imagens familiares funcionam como figuras em uma Estela Funerária grega ou o Kôuros funerário, que representava a pessoa viva, o que ela valia e fazia.  Nesta figuração, a beleza da imagem prolonga a do falecido, com sua pureza e qualidades – que estão além da morte física. 
 
 
Leituras sugeridas:
- Proust e a Fotografia, Brassaï – Jorge Zahar Editor, 2005.
- Retratos de Família, poesia de Carlos Drummond de Andrade.
- Encomenda, poesia de Cecília Meireles em A Vaga Música.
 
 

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