Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um Mundo de Imagens – segunda parte


Publicado no Montbläat, abril de 2007

          Continuando a nossa jornada por este mundo de imagens, iniciada na semana passada, devemos realçar que uma característica da gravura é justamente esta inversão da imagem entre o clichê ou placa de gravação e a gravura em sua forma final estampada.  Esta inversão foi uma das primeiras descobertas gráficas dos povos neolíticos que nos legaram vários registros de suas mãos estampadas em paredões de pedra pelo Brasil afora, conforme mostra a Figura 5, onde uma mão esquerda estampada na pedra equivale a uma mão direita nos acenando.
 
 
Figura 5 – Pintura rupestre, Parque Nacional de Sete Cidades, Piauí.  Foto T.Abritta, 1996.
 
Os gravadores primitivos tinham uma grande dificuldade com esta particularidade da técnica e mesmo na tipografia de tipos móveis faziam trocas, principalmente entre as letras d e b como também entre o p e q que eram chamadas de “as quatro letras” (ver Deus e o Diabo na Literatura de Cordel, Revista de Cultura Vozes, outubro de 1970).  Voltando à primeira parte deste artigo, o xilógrafo, nas figuras 2 e 3 apresenta, respectivamente, um músico e um diabo canhotos.  Na Figura 2 o músico canhoto toca uma espécie de guitarra de quatro cordas.  Provavelmente o artista quis gravar um cavaquinho que tem suas quatro cordas afinadas em ré-si-sol-ré.  Mas como apresentado nesta xilografia teria que ter suas cordas montadas invertidas em ré-sol-si-ré para adaptar-se ao nosso músico canhoto. 
Na Figura 6 mostramos uma xilogravura também de José Costa Leite, onde houve um aperfeiçoamento técnico e a matriz foi preparada com o cuidado de inverterem-se não as iniciais do autor como todo o motivo representado.
 
Figura 6 – Equivalente digital de uma xilogravura.
 
          Quanto à imagem do diabo canhoto da Figura 3 da primeira parte deste artigo, podemos notar que houve uma emenda na chapa de madeira, pois apresenta em sua parte superior uma coloração mais avermelhada.  Em uma xilogravura, observaríamos a cor preta correspondente às partes mais altas da chapa que absorvem a tinta e o branco do papel correspondendo às partes escavadas na madeira.  Mas aqui se trata de versões digitais que mostram a coloração original da madeira utilizada.  Os xilógrafos davam preferência nas suas chapas a imburana e em segundo lugar ao cajá, pela durabilidade e texturas produzidas.  O pinho era usado em trabalhos de baixa qualidade, pois deixava marcas acentuadas de suas fibras, tal qual falhas de impressão.  Isto explica as emendas nas matrizes, que com o tempo tábuas de imburana rareavam. 
          Quanto à ilustração das figuras rupestres de São Tomé das Letras, mostrada na Figura 4 anteriormente, houve um erro em uma das fases entre a cópia da inscrição e a impressão do livro, pois a figura rudimentar de um quadrúpede na linha do alto está invertida, situando-se a direita e não à esquerda como comenta o texto. 
          Finalmente, na figura abaixo, apresentamos a gravura de Picasso que motivou toda esta história.  Nesta obra a data ficou invertida, sendo provavelmente uma das brincadeiras do artista com o público. 
 
Figura 7 – O Pintor e seu Modelo, Pablo Picasso – 1963.  Água-tinta, ponta-seca e buril.  Fundação José e Paulina Nemirovsky, São Paulo.
 
          Estes exercícios visuais, no fundo, são um bom pretexto para olharmos um pouco para o nosso patrimônio cultural do ponto de vista da arte popular e dos registros arqueológicos e pensarmos nos inúmeros talentos que são perdidos pela falta de um sistema de ensino eficiente.
 
 
 
 
 
 
 

 

 

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