Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Um Refugiado Ambiental

Hoje, 15 de outubro, dia do professor, recordamos o Educador  Paulo Freire que caiu no esquecimento juntamente com seu "Plano de Alfabetização de Adultos".  Primeiro. pela Ditadura, agora enterrado pela "Nova Direita" brasileira que cultua a ignorância como valor supremo para manterem-se no Poder.  Abaixo  uma crônica publicada em 2007, no Montbläat, e no meu livro "Memória, História e Imaginação", onde falo um pouco deste plano de alfabetização e  do desrespeito ambiental, fruto da ignorância associada à corrupção.

          O Noctilio leporinus é um morcego de pelo amarelo e patas longas, cuja espécie é considerada extinta na Amazônia, seu habitat natural, onde devido a sua peculiaridade de alimentar-se de pequenos peixes era conhecido popularmente por morcego-pescador.  Este poderia ser um registro definitivo de mais uma espécie animal desaparecida, mas felizmente este escorraçado brasileiro foi redescoberto na costa norte do Peru do outro lado da Cordilheira dos Andes.  Podemos dizer que tal morcego-pescador é o primeiro refugiado ambiental que teve que voar sobre montanhas geladas, enfrentando ventos glaciais, o ar rarefeito e toda sorte de dificuldades alimentares para tentar a vida no desértico litoral peruanoInfelizmente, para sobreviver, este pequeno animal teve que se portar tal qual os exilados econômicos mexicanos que atravessam o Rio Bravo, pulam muros de concreto e cercas de arame farpado – passando através das balas dos membros dos Clubes do Rifle que se divertem “abatendo” latinos – para tentar a vida além da desértica fronteira americana.
          A odisséia deste morcego é um alerta de que muito de nossa rica biodiversidade pode desaparecer sem deixar nenhum registro, que, com os avanços da ciência genética, com a informatização e a facilidade da pesquisa científica, freqüentemente são registradas novas espécies de animais e vegetaisRecentemente dois novos velhos brasileiros deram o ar da sua graça: no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, entre Minas e Bahia, foi descoberto o lagarto Stenocercus quinarius e no Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, o lagarto Stenocercus squarrosus.  Podemos falar também na infinidade de pássaros que ainda são redescobertos pela ciência, como a Aratinga pintoi, em Monte Alegre no Pará, conhecido localmente como cacaué, e mesmo perto de uma represa da Grande São Paulo, foi descoberto um novo pássaro batizado de bicudinho-do-brejo-paulista.
          Mas esta história toda não sensibiliza o Presidente Lula, que praticamente entrou no governo sob a égide de um crime ambiental.  Ainda em abril de 2003, em visita a Buíque, no agreste pernambucano, onde Lula foi lançar o seguro-safra, ele e toda a sua comitiva participaram do massacre de uma cobra-coral morta a pauladas e pisoteada.  Especialistas em Direito alertaram que os responsáveis pela morte do animal eram passíveis de autuação no artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais, que a cobra-coral é um animal da fauna brasileira.  Foram criticados e um conhecido jornalista escreveu “Tudo o que Lula precisa na vida é de um matador de cobra-coral ao seu lado”.  Criou-se o monstro que agora declara “que alguns se preocupam com cinco ou seis espécies de peixepara mostrar o seu desagrado com os relatórios de impacto ambiental das hidrelétricas do Rio Madeira.  O nosso presidente prefere esconder as suas incompetências governamentais empurrando para cima da sociedade brasileira hidrelétricas que, após dez anos de funcionamento, resultarão em um imenso areal poluído de mercúrio, não tendo mais capacidade de geração de energia, com o agravante de destruir a fauna do Rio Madeira deixando milhares de ribeirinhos sem meios de subsistência, com o desaparecimento dos Dourados, Jatuaranas, Tambaquis, Pacus e outras 463 espécies de peixe, muitos existentes neste rio
          A fúria de Lula contra os bagres tem um sério agravante, configura-se como um desrespeito à nossa Constituição Federal que tem um capítulo inteiro dedicado às questões ambientais, além de vários parágrafos relacionados ao tema distribuídos em outros capítulos.  Esta lei maior considera um dever do poder público, não a preservação do meio ambiente e da vida, como a promoção da educação ambiental. 
          Se não fosse a nossa tradição de impunidade protegida pelo foro privilegiado, onde a jurisprudência reinante é “hoje eu absolvo para ser perdoado no futuro”, Lula deveria no mínimo ser obrigado a voltar para a escola onde poderia aprender um pouco sobre equilíbrio ecológico e todos aqueles temas que felizmente entusiasmam as nossas crianças que têm a sorte de freqüentar uma sala de aula.
          Eu não matricularia o nosso presidente em uma escola formal, onde ele poderia ser promovido automaticamente e diplomado tão ignorante como entrou.  Aproveitaria para homenagear o educador Paulo Freire, falecido há dez anos, levando Lula a participar do método de Educação de adultos desenvolvido por este grande brasileiro banido pelos golpistas de 1964 e até hoje esquecido pelas elites do passado, do presente e do PT que preferem um povo ignorante, manipulável. 
          O método Paulo Freire não ensina apenas a escrever palavras, ele leva o homem a pensar o mundo, a sociedade e todos os processos que o envolvem, conscientizando-o para uma vida digna e plena.  O diferencial deste método de alfabetização de adultos é que ele respeita a cultura dos educandos, sendo baseado em seu universo vocabular de onde são selecionadas as palavras de maior significado cultural e emocional.  Deste subconjunto de palavras, são escolhidas aquelas interessantes do ponto de vista fonético para o processo de alfabetização.
          No caso de Lula não teríamos grande dificuldade em selecionar o seu universo vocabular, que, com uma simples consulta aos seus últimos discursos, aparecem com freqüência: churrasco, picanha, futebol, sexo, hidrelétrica, bagre, elite, companheiro, mensalão, e vamos por afora.
          Nas primeiras aulas de Lula poderíamos enfocar alguns temas comuns a uma pessoa com mais de sessenta anos, como medicamentos, pressão alta etc.  Assim, para mostrar a relação entre alguns insignificantes animais (obviamente do ponto de vista do Presidente) e o nosso cotidiano, vamos falar da jararaca e de um dos medicamentos anti-hipertensivos mais usados no mundo que é o Captopril.  Este medicamento foi sintetizado tendo como inspiração substâncias encontradas, em 1965, no veneno da jararaca pelo farmacologista Sérgio Henrique Ferreira, da USP em Ribeirão PretoOutro fato interessante vem da observação de uma gelatina viscosa e transparente que protege a Phyllomedusa hipocondrialis da desidratação e também de seus predadores por conter uma mistura de proteínas tóxicas.  Este nome pomposo é o apelido científico para uma pequena perereca, que vive sob o sol intenso da caatinga do Rio Grande do NorteAnálise recente desta secreção mostrou que ela é rica em compostos capazes de eliminar bactérias e reduzir a pressão arterial.
          Para uma pessoa não acostumada a ler e a meditar, que passou a vida inteira gritando palavras de ordem ou repetindo frases de efeito, creio que por hoje devemos encerrar esta aula, propiciando um pouco de material para as piadinhas presidenciais, falando dos estudos científicos que têm sido feitos no veneno da aranha Phoneutria nigriventer, conhecida popularmente como armadeira.  Cientistas observaram que homens picados pela aranha apresentavam diferentes sintomas, incluindo o priapismo (ereção do pênis dolorosa, mas persistente). 
          Para terminar, enquanto Lula se diverte com o “Rock das Aranhas”, vamos nos despedir com os últimos versos de Paulo Freire, em sua poesia A Escola.

...numa escola assim vai ser fácil
estudar, trabalhar, crescer,
fazer amigos, educar-se,
ser feliz.




________________________________________________________________
Referências
- Pesquisa FAPESP - 132, fevereiro de 2007; 133, março de 2007 e
  134, abril de 2007
- Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 225.
- Educação como prática da Liberdade, Paulo Freire.

- Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire.

Nenhum comentário:

Postar um comentário