Botswana, Foto T.Abritta, 2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Pas Paquetá


          A velha Vital Brazil atracava preguiçosa, silenciosa.  Exuberante. 
          Com o rouco apito, a multidão se movimenta, corre – pra quê pressa.            Crianças cantando, pulando em voo de borboletas.  Mulheres num alarido: vem, fulano, senta na janela... Homens alegres – cerveja no ar.

                              Esquece por momentos teus cuidados
                              passa um domingo em Paquetá.

          Praça XV, Niterói ficando para trás.
          Último olhar na Ilha Fiscal.  Verde vertical, torreões e janelas, olhos ogivais, despedindo-se no azul horizontal.

          Muitos correm para a amurada.  Olham para cima.  O gigantesco vão central da Ponte Rio-Niterói gira sobre suas cabeças.  Crianças, adultos, jovens e velhos.  Clamor de admiração.  Crianças perguntam: ainda não caíu?
          Com a quentura do sol, a bruma se dissipa, a Serra dos Órgãos surge ao longe na linha de montanhas.
          Mães gritam: vem, sicrano, olha o Dedo de Deus!  E a criançada a perguntar, falar...
          A brisa quente sopra, carregando fedentina no ar.  Um grupo de estudantes conversa: está se tornando impossível a vida marinha.  Tanto esgoto, tantos dejetos químicos.
          No azul do mar cintilam miríades de pontos prateados.

                              Água podre que cheira.
                              Peixe morto que flutua.

          O pequeno arquipélago vai surgindo, a verdejante Paquetá vestindo um colar de recifes, rochas, pedras, ilhas – Brocoió, Folhas, Itapaci, Lobos, Pancaraíba.  Sonoridade ancestral.  Contornamos a Pedra, desembarcando no porto – águas profundas, águas abrigadas.

                              Esquece por momentos teus cuidados
                              passa um domingo em Paquetá.

          A multidão vai saindo.  Alegria única.
          Tal caudaloso rio, correm para praias próximas.  Outros alugam bicicletas, passeiam de charretes ou eco táxis.  Não conhecem?  São triciclos elétricos, silenciosos como a paisagem. 

          A par da abordagem lírica de nosso narrador, hoje não é domingo, não estamos aqui para passear.  Estamos para trabalhar, documentar, denunciar.
          Paquetá, joia de conservação ambiental, histórica e paisagística, afundando num mar de esgoto.



Do acervo da Casa de Orestes Barbosa.  Paquetá, Rio de Janeiro-RJ.
Ver também a transcrição deste texto nas notas finais.

          E o pescador Santiago, outrora O Velho e o Mar, triste, solitário, agora apenas na pedra sentado, só o mar a olhar.

                              Água podre que cheira.
                              Peixe morto que flutua.

          Ilha do Sol, Luz Del Fuego?  Sei não.  Tem é Ilha das Cobras, para aqueles lados onde vivia uma índia nua e enrolada por serpentes.  Paquetá?  Ah, o nome é porque tinha muita paca aqui.  Agora só lá no Brocoió.
          Tem índio sim.  Tá lá na Praia dos Tamoios.  Estátua e tudo. 

Sombras que Ficam.  Paquetá, Rio de Janeiro-RJ.  Foto T.Abritta, 2014.

          Pas Paquetá.  Je ne veux pas aller a Paquetá.
          Assim vaticinou Jeanne Vauchelles, francesinha com cinco anos de idade, há mais de duas décadas – preferia ir ao shopping, raridade da época em Paris.
          Eu não quero ir a Paquetá!

                              Água podre que cheira.
                              Peixe morto que flutua.
                              Peixe gordo que fatura.
Notas:
Fim de Semana em Paquetá.  Composição Braguinha / Alberto Ribeiro.

Dois Poetas e uma Ilha, por Alberto Ribeiro.

Chapéu de palha e calção
um caniço e um samburá...
Lá vou eu, de pé no chão,
Percorrendo Paquetá.

                                       Um pescador conta histórias,
                                       Velha rêde a remendar...
                                       Ouço o rodar das vitórias
                                       E a voz longínqua do mar...

Crianças junto das pontes...
Alguém ao longe a cantar.
E os versos de Hermes Fontes
Enfeitiçando o luar...

                                       “Paquetá é um céu profundo
                                       Que começa neste mundo
                                       Mas não sabe onde acabar...”

O farol de um pirilampo
Passa, azulado, no ar;
Segue o caminho do Campo,
Onde o Orestes foi morar.

                                       No Céu há luzes e, ao vê-las,
                                       Grupo boêmio, em coral,
                                       Espalha do Chão de Estrêlas
                                       A poesia imortal...

“Tu pisavas nos astros distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão...”

Obs.  Mantida a ortografia original.



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