Botswana, Foto T.Abritta, 2008

terça-feira, 3 de maio de 2016

SOS Ilha Grande


          Diante da depredação ambiental, tolerada pelos nossos governantes em busca do voto irresponsável, é surpreendente que a menos de duzentos quilômetros das duas maiores cidades brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo, sobreviva um paraíso da natureza que é a Ilha Grande.  Esta ilha conheceu o ciclo da cana-de-açúcar, do café e sediou mais de vinte indústrias de processamento de sardinhasDurante cem anos abrigou instituições carcerárias, até que em 1994 o Presídio de Dois Rios foi desativado e em seu lugar foi criado um centro de pesquisas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Paradoxalmente a existência do presídio foi um fator de preservação desta ilha, com o esvaziamento das atividades econômicas e o afastamento da especulação imobiliáriaHoje a Ilha Grande tem 90% de sua área coberta de florestas, sendo que aproximadamente 30% são primárias e o restante secundárias, com estados de regeneração variáveis
          Com a desativação de grandes fazendas e indústrias, os caiçaras – uma mistura étnica entre portugueses, índios e negros – continuaram as suas culturas de subsistência, onde faziam a rotatividade da terra e suas atividades pesqueiras.  É interessante observar que mesmo nas matas secundárias, ainda podemos observar antigas figueiras da vegetação primária, pois estas árvores nunca eram abatidas pelos caiçaras por serem consideradas sagradas.  No Saco do Céu, bem a beira mar, tem um belo exemplar de uma destas árvores centenárias. 
          A par de suas florestas, a Ilha Grande possui um fabuloso patrimônio marítimo, com praias voltadas para o alto mar menos habitadas e mais preservadas, que de maio a setembro, no chamado inverno, o mar é muito violento, dificultando o acesso marítimo.  As praias voltadas para o continente são mais povoadas, mas mesmo assim razoavelmente conservadas.  O grau de pureza das águas de algumas praias pode ser constatado pela pujança da vida marinha, como estrelas do mar e tartarugas que podem ser vistas em quantidade no Saco do Céu e na praia de Manguariqueçaba.  Outro grande espetáculo pode ser visto em um passeio noturno de barco pela Enseada das Estrelas onde, nas noites escuras, todo o trajeto do barco fica iluminado e os peixes brilham, devido ao fenômeno conhecido como ardentia – com a agitação mecânica da água, dissolvemos oxigênio e os plânctons emitem luz em um processo físico de fosforescência
          Mas a Ilha Grande não é naturezaEm suas praias temos o registro de povos que aqui viveram há mais de 3.000 anos e afiavam as suas facas e machados de pedra nas rochas, em verdadeiras oficinas líticas.  Estes amoladores-polidores estão espalhados por diversos rochedos, sob a forma de sulcos, testemunhando as atividades pesqueiras destes antepassados
          Este patrimônio natural e cultural está, do ponto de vista formal, bem protegidoToda a Ilha Grande faz parte de uma Área de Proteção Ambiental que está dividida em reservas específicas como: Parque Estadual da Ilha Grande, Parque Estadual Marinho do Aventureiro e Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul.  A ilha é bem servida de serviços públicos, tendo um bom posto de saúde, serviços de defesa civil, posto policial, batalhão florestal e fiscalização marítima da capitania dos portosMas em um país em que a cultura e a ciência são desprezadas e atividade cultural é posar para fotos em estréias no Canecão, devemos estar ultra-atentos, ainda mais com esta história de eleger a Ilha Grande como uma das maravilhas do Rio
          A maior ameaça à Ilha Grande é a especulação imobiliária e a superpopulaçãoNos meses de verão podemos ver nas praias do Abraão e Abraãozinho, o óleo que vaza das embarcações e a gordura do esgoto que se infiltra pela areia e acaba no mar.  É fundamental uma maior fiscalização nos motores dos barcos, estabelecer uma ocupação máxima para a ilha, com um limite das construções horizontais ou verticais.  É necessário também ter um sistema de tratamento de esgotos, que alguns rios ficam totalmente poluídos com o excessivo uso das fossas sanitárias, transformando belíssimas praias em cloacas fétidas. 
          Com o aumento do turismo e dos lucros, muitos moradores nativos vendem as suas pequenas casas e abrigos de pesca, em geral erguidas sobre a areia da praia, para construção de pousadas que avançam sobre o mar, com aterros e pilastras de concreto sobre as pedras.  Na praia do Abraãozinho podemos observar um destes atentados, onde a praia foi aterrada e uma das pedras com as marcas dos amoladores-polidores de mais de 3.000 anos bem danificada.  Isto é mostrado nas figuras abaixo.  Na figura 1 mostramos este fato, com a histórica pedra em primeiro plano e na figura 2 detalhes desta oficina lítica, com os sulcos onde foram amolados e polidos machados e facas de pedra
          Esperamos que estas palavras, de alguma maneira, alertem os brasileiros interessados não em nosso meio ambiente como em nossa cultura, bem como cheguem aos pesquisadores que fizeram os estudos originais sobre os primeiros indícios de presença humana na Ilha GrandeAssim como os sulcos nas pedras foram interpretados, pode ser que alguém salve estas verdadeiras mensagens escritas na pedrapelo menos 3.000 anos.


Figura 1 – Atentado ao passado histórico brasileiro na praia do Abraãozinho.


Figura 2 – Detalhes dos sulcos onde eram amolados machados e facas de pedra pelos primitivos habitantes da Ilha Grande.

Leituras sugeridas: Pré-História da Terra Brasilis, Org. Maria Cristina Tenório – Ed. UFRJ, 1999; Ilha Grande: Do Sambaqui ao Turismo, Org. Rosane Manhães Prado – EdUERJ, 2006.

Publicado no Montbläat.
Rio de Janeiro, 22 de agosto de 2007.
Teócrito Abritta




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